20/08/2013
Por Ana Russi
Muito mais do que uma ramificação de outras artes, a contação de histórias tem recebido a devida atenção por parte de
dedicados expoentes, para que seja valorizada e entendida como uma prática com vida própria e aprofundamento técnico bastante específico.
Sérgio Bello |
“A leitura da história torna-se obrigatória, quando a beleza,
o interesse da narrativa, não reside propriamente no enredo,
mas na forma suave e agradável pela qual foi escrita,
no estilo do autor, na originalidade de suas frases,
no encanto literário de suas expressões”.
Malba Tahan - A Arte de Ler e Contar Histórias
Um desses expoentes é Sérgio Carneiro Bello, catarinense que desde 1995 encanta e educa sobre esta forma artística tão peculiar. Sérgio é mediador da biblioteca comunitária Barca dos Livros, e obteve o título de mestre em Educação pela UFSC com a dissertação “Quem conta um conto... A narração de histórias na escola e suas implicações pedagógicas” (que você pode acessar clicando aqui).
Pode-se resumir o currículo de Bello como “uma vida inteira dedicada à contação de histórias”. Mas
para entender realmente quem é este
homem, é preciso escutá-lo. Por isso, na última quinta-feira (15), fomos
ouvi-lo contar histórias, acompanhadas pelo som da sitar de João Neumann.
Em sua fala inicial, Bello mostrou que é um contador de histórias – e não um sujeito que só faz isso no momento óbvio de narrar. Desde o cumprimento ao público à apresentação de seu colega músico e seu instrumento – suas falas eram ricas, inteligentes e arrebatadoras. Ele conquistou a todos ao falar da importância de sua arte e de como ela soma à literatura tradicional, escrita e lida. “Uma biblioteca não pode simplesmente abrir suas portas e esperar que as pessoas descubram a magia que ela abriga”.
O nome da peça, Shantaram,
vem do idioma índico (um dos milhares de dialetos da Índia) e significa “homem
da paz”. A proposta é deixar o imaginário viajar a partir de informações sonoras,
dadas pelas falas do próprio Bello e ambientadas pela sitar de Neumann. E de fato, o que inicialmente parece um desafio
fica muito prazeroso depois que nos deixamos levar pela proposta.
João Neumann |
“Ontem eu estava numa escola municipal no interior
de Barra Velha e depois da contação um menino
se aproximou – não devia ter mais do que 9 anos –
e me perguntou: ‘a nossa escola vai receber
esses livros que você contou?’ Ele já é um leitor”.
Sérgio Bello
A primeira história fala de um homem muito pobre que sai em
busca de um lugar onde vivia a Árvore dos
Desejos. A segunda história, Savitri
e Satyavan, é retirada dos livros sagrados da Índia e fala sobre um rei
justo e bom, governante de um próspero e farto país. Sua única e grande
preocupação é não ter o sucessor, até que a deusa da sabedoria lhe presenteia
com uma princesa, de nome Savitri. A história acompanha o desenvolvimento da
jovem, que se aprofunda na busca dos conhecimentos necessários para, no futuro,
poder reinar, até sair em busca de alguém para amar e acompanhá-la na realeza.
Faz sentido que o contador tenha buscado inspiração na
Índia, prezando tanto pela atenção aos sons, pois, para Sérgio Bello, a imaginação é
essencial e única na humanidade: “Tudo isso que nós temos hoje, que nós
chamados de cultura e civilização, foi criado pelo único
animal que vê o que é e imagina o que não é. (...) O mundo precisa de muita
gente sonhando com o que ainda não é”.
As duas histórias eram maravilhosas, e a sitar as deixou ainda mais interessantes
e oníricas. No entanto, o que mais chama a atenção é a forma como a dupla
realizou a contação: tratando-a como sensível a quem conta e a quem ouve.
Que mais contadores sigam este exemplo e entendam que a história não pertence
ao contador, pois nela vive a responsabilidade de conquistar leitores pelos
ouvidos e, é claro, pela imaginação.
Em tempo: quem achou que Santa Catarina não tem nada a ver
com a Índia, espere até apresentarmos a musicalidade de Carlos Cajé!