ZECA NUNES PIRES – A Antropóloga (2011)

18/12/2014
Por Fernando Vugman*

[Aviso: contém spoilers]

Cartaz do filme
Eu poderia dizer que o filme A Antropóloga (2010), do diretor Zeca Pires, é um filme bem feito. Seria uma afirmação fácil de comprovar. Bastaria chamar a atenção para o roteiro envolvente, para sua narrativa sedutora, graças a uma montagem competente. Ou comentar sobre o bom elenco, que nos convence como se fossem “nossos vizinhos”. Poderia também elogiar a bela fotografia e a escolha dos cenários, além da trilha sonora que ajuda na construção da narrativa de forma eficiente. Tudo isto é verdade, mas também seria injusto parar por aí.

Assim, permitam-se falar um pouco sobre esse e aquele detalhe que me encantaram durante sua projeção na pré-estreia.

Logo no início, quando a história a ser contada ainda está por se apresentar, sentimos um estranho deslocamento, geográfico, cultural, quase físico. É que, sem aviso, somos colocados diante das imagens de uma igrejinha caiada, de arquitetura simples, rodeada por uma vegetação familiar e temos certeza que o que vemos é um dos recantos da Ilha de Santa Catarina. Mas os diálogos logo nos contradizem: é nos Açores que a cena transcorre! E por um segundo nós, nativos e moradores da Ilha, nos sentimos pertencendo ao mesmo tempo a um “lá” e a um “aqui”, a um “outrora” e a um “agora”. Sensação que teremos ao longo de toda a história.

E essas brincadeiras que talvez só o cinema permita fazer, seguem ao longo do filme, constituindo um dos ingredientes que o tornam mais do que apenas um filme bem feito, uma história bem narrada; em torno da trama principal, muitas outras “pistas” insistem em desviar nosso olhar para uma infinidade de mais histórias possíveis.

Por exemplo, a fugaz aparição do próprio Zeca Pires a embarcar para a Costa da Lagoa, logo atrás da protagonista, se torna mais do que uma pequena homenagem ao mestre do suspense hollywoodiano. É um aviso sutil de que com A Antropóloga estamos também embarcando numa trama de mistério e suspense.

E certamente não é por acaso que as imagens turísticas da Ilha, que ilustram a chegada de Malú (Larissa Bracher) a Florianópolis, logo cedem lugar à Lagoa da Conceição e sua costa. Como num bom suspense, Zeca nos oferece um pouco de céu e sol radiante acima de um mar sem fim, para que tomemos fôlego, antes do mergulho num universo simultaneamente sedutor e sombrio.


Aliás, encantei-me com o tratamento da luz. As cenas diurnas exibem uma mistura de luz clara e sombras bem marcadas que confundem nossos sentimentos: celebramos a beleza da paisagem, ou nos recolhemos com medo sob seus profundos mistérios? Nas cenas noturnas, em delicadas tomadas que nos envolvem de escuridão e suspense, novamente uma luz sempre brilha, nos lembrando que mesmo a mais negra escuridão oferece, ainda que fugazmente, um brilho de sedução.

E a opção pela Costa como cenário principal definitivamente contribui para criar essa profusão de emoções contraditórias. Confesso que a cada cena em que os personagens perambulam pela mata eu me surpreendia com sua atmosfera assombrada, justo ali, por onde tantas vezes caminhei em dias de sol, admirando cada árvore, cada pássaro e a luminosidade acolhedora a filtrar entre as folhas. Habilmente, o filme transforma a mata numa floresta cheia de magia, espíritos, encantada, assombrada.

E do mesmo modo como Hitchcock é convidado a visitar o suspense “Mané”, também Spielberg e seu E.T. devem se render às bruxas de nossa Ilha. Se na cena do barco que voa no céu noturno, cruzando na frente de uma enorme lua, somos remetidos ao conhecido filme do diretor hollywoodiano, são os desenhos de Cascaes, permeando a trama, que vem para nos divertir e assustar.

As tomadas aéreas da Costa e da Lagoa quase nos colocam na vassoura da bruxa, ou nos provocam um mal estar sutil, de quem se sente, de repente, malignamente observado.

Cena do filme (foto: site oficial)
E por falar em cinemas de outras terras, o filme também traz sua pitada de neorrealismo italiano aoinserir as entrevistas com verdadeiros (e antigos!) habitantes da Costa da Lagoa. Aqui, Zeca evita habilmente um problema que muitas vezes marcou os filmes daquela escola: a interrupção da narrativa para incluir material “documental”. Em A Antropóloga, ao contrário, a participação dos não atores contribui de forma definitiva para aumentar o envolvimento com a trama; são momentos que ao mesmo tempo provocam o riso, despertam a curiosidade, mas nos lembram que estamos imersos em um universo maliciosamente misterioso e encantado.

Muitos mais são os detalhes que fazem de A Antropóloga um filme rico e envolvente. O cuidado com o sotaque açoriano, a recusa em criar um envolvimento amoroso entre Malú e Adriano (Luigi Cutolo), tentação fácil a que tantos filmes se rendem. O trio de adolescentes góticos que, se por um lado servem de alívio cômico, por outro, justamente por serem apresentados como feiticeiros amadores, aumentam a sensação de seriedade e perigo da “verdadeira” magia dos moradores da Costa. O jeito de filmar a Lagoa até quase transformá-la em mar. O delicado final, com A Antropóloga partindo de barco, lágrima nos olhos, para sempre transformada, e o sapateado de Carolina (Rafaela Rocha de Barcelos), discretamente alegre, como uma promessa de leveza no ar.

Assim foi que deixei a sala de projeção. Após noventa minutos de cinema, saí agradecido por ter sido lembrado e convencido de que vivo, a cada dia, numa Ilha da Magia.

*Resenha originalmente publicada no blog do filme, em 03 de maio de 2011 (link original).
Para saber mais sobre A Antopóloga, clique aqui.

GODOFREDO DE OLIVEIRA NETO – O Bruxo do Contestado (1996)


25/11/2014
Ana Russi

Terminei ontem de ler O Bruxo do Contestado, romance do professor Godofredo de Oliveira Neto, nascido em Blumenau e atualmente residente no Rio de Janeiro (você pode clicar aqui e conferir a entrevista que o autor concedeu ao Sarau Eletrônico da Universidade Regional de Blumenau em 2008).

Na verdade, eu devorei o livro, pois tanto a trama quanto sua riqueza de informações históricas me deixaram muito, muito instigada.

A história se passa na cidade de Diamante, situada na região do Contestado, a qual entre 1912 e 1916 serviu de cenário à guerra que mesclou o fanatismo religioso “à busca de um reino de paz e igualitarismo social”. Cerca de metade do exército brasileiro atuou no território durante a Guerra do Contestado, o que resultou em 4.500 mortos e mais de 10.000 feridos. Na contracapa, é considerada uma revolta muito mais ampla do que a de Canudos, embora seja curiosamente ignorada pela historiografia oficial.

Ironicamente, a história não se passa durante a Guerra do Contestado. Ela acontece depois, na Diamante da década de 1940, cidade ocupada ao mesmo tempo por comunidades Xokleng e descendentes de alemães e italianos, de maneira que a iminência da II Guerra Mundial coloca seus habitantes em estado de agitação.

Oliveira Neto descreve como a aproximação da Grande Guerra tornou as memórias do Contestado mais vivas e próximas – em especial na figura de Gert Rünnel, um protagonista instável e atormentado. Embalado pelas lembranças de infância, ele ainda sonha com a definitiva consolidação do “reino da justiça de Irani” – promessa dos movimentos messiânicos locais que efervesceram na época do conflito. Seus delírios são conhecidos por toda a comunidade local, rendendo-lhe o apelido de Bruxo do Contestado.

O autor se preocupou em trazer uma abordagem sóbria do conflito. A Guerra do Contestado é vista não somente como uma revolta fundamentada na fé, mas também como um grito pelo direito à terra, permitindo sonhar com uma organização em que todos tivessem igual acesso aos recursos básicos através da consolidação desse reino messiânico de “paz e fartura”. Essa perspectiva é suscitada em vários trechos e propõe uma reflexão diferente da abordagem superficial dos livros escolares. Em meio a um grande encontro de ideologias, evocadas por diversos grupos políticos, a mais sóbria análise da revolta do Contestado está no capítulo 15, por conta do Grupo de Defesa da Democracia, de orientação socialista.

Entender o que aconteceu no Contestado é importante para acompanhar a vida dos Rünnel, principalmente os delírios de Gert. Mas essa não é a única narrativa de O Bruxo do Contestado. Um roteiro paralelo explica a origem do livro, a partir de originais encontrados em um casarão em demolição na capital paulista, o qual pertenceu à família Johansky, dona de uma rede comercial espalhada por toda a região sul. Sua autoria é atribuída a Tecla, filha dos proprietários da casa e ex-militante trotskista que, acometida por um grave problema de saúde, escreveu essas memórias baseadas na infância em Diamante e na convivência com os Rünnel. Tecla propositalmente deixou seus escritos nas ruínas do casarão. Outros personagens (Victor, Bertha, Dieter, Elsa, Arcângelo, Otto, Antônia e a própria família Johansky, entre outros) também avolumam a riqueza da trama, dialogando com ela através de suas histórias pessoais.

Falando desse jeito, pode parecer que a obra é confusa, de uma complexidade excessiva. Muito pelo contrário: o autor entrelaça delicadamente todas essas histórias, mantendo a devida coerência. E, de certa forma, os fatos históricos ajudam a dar a consistência necessária à trama.

As narrativas – e seus entrecruzamentos – são permeadas por elementos de relevância para a história de Santa Catarina que vão além dos temas do Contestado e da Segunda Guerra: o Falanstério do Saí – comunidade socialista de São Francisco do Sul, baseada nas ideias de François Fourier –; a passagem de Olga Benário por Florianópolis; as correspondências entre Fritz Müller e Charles Darwin. Oliveira Neto sugere até mesmo o diálogo entre sindicalistas da Inglaterra e da Rússia e os líderes populares do Contestado, e o suposto interesse de Lênin nos acontecimentos – fato que teria motivado a nomeação do catarinense Lauro Müller para ministro das relações exteriores.

Inevitavelmente, terminei o livro pensando no tanto de coisas que aconteceram, tendo o estado como cenário – e no meu conhecimento superficial da maior parte. A outra parte então, era completamente desconhecida!

A crédito dessa intensa pesquisa que permeia o roteiro, e levando em consideração que a primeira edição do livro saiu em 1996 (quando a internet no Brasil era um privilégio de poucos), não dá pra encerrar a resenha sem salientar o competente levantamento histórico feito pelo autor. É ele que aproxima o leitor da obra, alimentando sua curiosidade não somente sobre o decorrer das muitas tramas (todas altamente interessantes), mas também acerca de quais novas descobertas históricas ocorrerão nas páginas seguintes. É isso que faz com a que O Bruxo do Contestado se realize tal qual foi descrito na orelha do livro: um romance em que a dimensão histórica e o destino individual se correspondem de maneira densa, perturbadora e surpreendente!
_________________________________________________________________
 
REFERÊNCIAS:
OLIVEIRA NETO, Godofredo. O bruxo do contestado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.

Profeta para além do mundo

27/11/2014
Por Míriam Santini de Abreu*
Blog Pobres & Nojentas


O Seu Claico aparece no local onde trabalho quase todos os dias. Magro, olhos azuis intensos, calça e camiseta impregnadas de cheiro de suor, ele acumula uma quantidade imensa de papéis em diferentes pastas. Nós o chamamos de Senador, porque ele se auto-nomeou líder político nacional de um ou de vários partidos no Senado. O que sei de Seu Claico, além do sobrenome, Xavier Fernandes, é o nome dos pais e da rua e bairro onde ele mora na Capital, além do fato de ter um irmão. Ah, e a cidade onde ele nasceu, em SC.
Seu Claico, o "Senador"
(foto: Míriam Santino de Abreu)

Isso porque, sempre que chega, Seu Claico pede que carimbemos um ou mais textos seus e que façamos uma ou duas cópias desses exemplares, nos quais ele anexa sua carteira de identidade. Nota-se que o Senador, que está sempre a caminhar no Centro de Florianópolis e no campus da Universidade Federal, passa por vários órgãos públicos, e sempre há alguém que digita os escritos feitos à caneta, em letra espinhenta que se alastra nas linhas. 

Num deles, Seu Claico se auto-denomina técnico de futebol da Seleção Brasileira e lista suas contribuições ao futebol brasileiro e mundial, como: a bola leve profissional, as joelheiras acolchoadas, o apito profissional e as luvas para jogadores.

Em outro ofício, o Senador se auto-intitula chefe de segurança da UFSC e criador da Otasa (Organização dos Tratados do Atlântico Sul-Americano). Num parágrafo, ele acrescenta: “Eu, Claico [...] sou o criador das luzes a laser, do adubo orgânico, do macro-computador, do telefone com tela das cintas plásticas, as armas a laser, do aero-brazer, do carro do futuro, da linguagem comum para computação mundial, da imagem e som para computação mundial, dos telões, dos vidros planos, dos vidros impermeáveis, dos aços impermeáveis, do freezer, das agulhas a laser, da enceradeira que encera e lustra, enfim, ALELUIA, outras coisas”. Em outra carta, a Otasa vira uma organização dos trabalhadores do Atlântico Sul.

Dia desses, quando ele esteve aqui para fazer umas cópias e carimbar vários ofícios, pedi um cargo (uma carta revela que em 2012 ele me indicou, em ofício, vereadora, com mais umas três dezenas de nomes, incluindo o de Lygia Fagundes Telles e de um certo Beto Leão do Beco):

- Mas eu já te nomeei!
- Para quê?
- Para o STF!
- Mas Seu Claico... Eu vou ficar entediada no STF!
- Entediada?
- É... O dia inteiro trancada lá naqueles gabinetes! Que horror!
- Ah, tu não quer ficar entediada? Então pega a tua pasta ali e vai lá para fora, para a rua, porque tem um monte de problemas pra resolver!

 ***

Muitos dos escritos do Senador são de sua lavra. Ele chega, cumprimenta (outro dia o cumprimento foi: “a bruxa tá solta!”. Houve uma tarde em que abriu a porta e anunciou: - Tem gente morando em cavernas aqui na cidade!), pede um cafezinho, senta e começa a escrever, sem parar de murmurar para si mesmo. Outros textos, que ele pede para reproduzir, já vêm digitados. Também seriam dele, e apenas digitados por seus colaboradores em órgãos públicos e entidades municipais, estaduais e federais, como revelam os carimbos nas folhas?
Carta dele de 2012, como diretor da UNICEF, mostra ser oportuno discutir, em nível mundial, a situação da criançada no mundo, nesses termos.

Outra de 2012, uma Nota Oficial, anuncia o casamento do Senador com uma certa senhora, cujo nome omito porque é conhecida na cidade. Ela decidiu, diz a nota, assumir um compromisso social com o cantor e compositor Clássico Fernandes, ou Claico Fernandes. Enlace matrimonial na Catedral da Sé e recepção no Clube Paulistano e no Iate Clube do Rio de Janeiro.

Há uma carta escrita por ele, à caneta, curiosa. O assunto é a denúncia do ex-presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, que reclama de ofensas e calúnias propagadas pelo Senador e exige da Justiça Internacional dez trilhões de libras esterlinas.

- Eu acho ser um direito do Ressuscitado! – escreve o Senador.

Na carta ele se defende junto à Suprema Corte Internacional, especificamente ao Juiz Federal Paul Gallotti, se auto-intitula um vagabundo por morar onde mora (cita rua e bairro) e conclui:
“Até parece uma piada, morador de Barraco no Brasil é obrigado a pagar 10 trilhões de libras esterlinas a morador do bairro de Boston em New York em USA”.

Não localizei a segunda página desta carta no monte que guardo, de quase uns dez centímetros de altura, de ofícios entregues a mim pelo Senador. Mas encontrei uma carta já digitada, como o mesmo conteúdo, que assim termina:

“Sua Excelência, se observa o absurdo do assunto, uma vez que se o citado vagabundo tivesse dinheiro iria morar numa mansão, isso até parece piada”.

***

O Senador, que se proclama O Dominador das Mídias, já oficiou no interesse da comunicação, como em uma carta de dezembro de 2010: “A liminar jurídica trata-se de agradecer Sua Excelência, a Senhora Presidenta da República, Dra. Dilma Roussef, pelo fato de confirmar aquilo que é de direito com relação à minha solicitação de concessão nos meios de comunicação de rádio e televisão convencional e em TV a cabo via satélite para o mundo bem como o direito de evitar o jornal do Claico e a revista do Claico em edição nacional e mundial, uma vez que eu me preocupo com o verdadeiro jornalismo e que, inclusive, por causa disso, já fiz algumas denúncias na Justiça Federal de Santa Catarina (cita o endereço), uma vez que meu conceito com relação à verdade contraria os interesses de terceiros”. 

***

Mais um diálogo com o Senador em dia de visita onde trabalho:

- Como vai a senhora?
- Bem, Senador, e o senhor?
- Bem, sempre me reinventando.
- Reinventando?
- Claro, todos os dias a gente tem que tem emoções e pensamentos novos.

(foto: Míriam Santino de Abreu)
***

Quem digitar “Carta do Claico” na internet irá encontrar um blog que lançou a campanha “Em Busca das Cartas Perdidas” para fazer um compêndio sobre a vida e trajetória do Senador. Ele volta e meia pede que a gente consulte novidades sobre seus ofícios na internet, e recentemente passou a carregar consigo um pendrive com arquivos das cartas.

Foi nesse blog que encontrei um fato surreal sobre o resultado das andanças do Senador na cidade. Está no Diário da Justiça de Santa Catarina, Ano XLVI, Número 11.283, de 24 de setembro de 2003. Há um Despacho do Tribunal Pleno em Mandado de Segurança da Capital, no qual o impetrante é Claico Xavier Fernandes e impetrados o Governador do Estado e prefeito e vice de Florianópolis, São José e Palhoça.

O Juiz Relator inicia o Despacho indeferindo a “peça”, assim mesmo, citada entre aspas, “eis que se trata de um mero manuscrito disforme, ininteligível e sem qualquer sentido, nominado apenas como mandado de segurança”. O Juiz Relator menciona ainda o fato de a petição inicial não ter sido subscrita por advogado, mas pelo próprio impetrante, que já teria, conforme consulta no SAJ – Sistema de Automação do Judiciário, impetrado “outros mandados de segurança com pedidos teratológicos e desarrazoados”.

O Juiz Relator cita a decisão proferida em outro Mandado de Segurança, que por sua vez menciona um terceiro (!) no qual o impetrante é o mesmo, o Senador. A decisão é no sentido de o Poder Judiciário não perder mais tempo “com essas heresias, tanto doutrinárias como religiosas”, citando ainda que o impetrante não tem registro na Ordem dos Advogados do Brasil. Abaixo transcrevemos um trecho usado pelo Juiz Relator, citando um colega, para indeferir a petição inicial do Senador contra o governador e os prefeitos:

“Ora, do relato acima realizado, vê-se claramente a heresia do pedido formulado por Claico Xavier Fernandes, que em franco desrespeito para com o Poder Judiciário, tirando lugar de outros feitos que em seu lugar poderiam ser deslindados. É inadmissível que resida em juízo piada transvestida em processo que da simples tentativa de leitura ofenderia qualquer leigo, quiçá um julgador (?), que tem como função primordial a pacificação social, e não a apreciação da galhofa posta em juízo”.

***

No Mandado de Segurança impetrado no Judiciário estadual, o Senador se apresenta como “Senhor do Brasil Profeta Claico Fernandes do Universo Entidade Animal e Espiritual, Maior e Forte do Reino Unido Profeta Claico Fernandes do Brasil por ordem do Criador da Espiritualidade e do Cosmos e do Olimpo”.

Lembrei de um trecho do Evangelho de Tomé, no qual Jesus diz:

“Vim pôr Fogo ao mundo
e eis que hei de preservá-lo,
até que arda.”


O Nosso Profeta não veio buscar a pacificação social.

 _____________________________________________________________

*Texto de Míriam Santini de Abreu publicado no blog Pobres & Nojentas em 18 de março de 2014. Clique aqui para acessar o link original.

Escutas da PF mostram negociações e fraudes na Fundação Franklin Cascaes, em Florianópolis

O ex-presidente da entidade é acusado de repassar informações privilegiadas sobre contratos e cobrar pela elaboração de projetos

25/11/2014
Por RicTV Record
 
Clique aqui para assistir ao vídeo com a matéria completa
(imagem ilustrativa - fonte: RicTV Record)

As interceptações telefônicas da Polícia Federal na Operação Ave de Rapina flagraram negociações escusas na Fundação Franklin Cascaes. A fundação é o órgão da Prefeitura de Florianópolis responsável pela promoção cultural no município. O ex-presidente da entidade é acusado de repassar informações privilegiadas sobre contratos e cobrar pela elaboração de projetos.

(link original)

#VOTELGBT

01/10/2014
Por Ana Russi


Participei desse vídeo junto com minha esposa. Fiquei muito feliz com o resultado e estou postando aqui – e de certa forma, escapando da pauta central do blog – porque, apesar da urgência do debate, de vez em quando aparece alguém nas redes sociais com aquela conversa: “agora os candidatos só falam em LGBTT!”


Talvez essas pessoas devam rever os debates e visitar os sites dos candidatos (não vejo horário eleitoral porque considero muito mais uma guerra entre escritórios de publicidade do que uma apresentação séria daqueles que concorrem a um cargo político). A questão LGBTT pode ter sido a mais polêmica (ainda mais depois do Levy Fidelix contrariar sua própria fisiologia aberrante ao dizer que aparelho excretor não reproduz), mas não foi o único assunto em pauta.

Gestão de energia, aborto, segurança pública, saúde, educação e corrupção estavam entre os assuntos em pauta nos debates que assisti. Nos que vocês assistiram não estavam? Ou será que vocês, heteronormativos, estão tão incomodados com a questão LGBTT que não conseguem prestar atenção em mais nada?

Nos debates entre candidatos a governador de Santa Catarina, a questão LGBTT nem sequer foi mencionada. Daí a importância de iniciativas como o #‎voteLGBT – site que indica os candidatos de todos os partidos que têm pautas voltadas para o tema.

Se for para embarcar nessa ideia de que certos assuntos não devem ser debatidos enquanto outros ainda não foram resolvidos, preparem-se, pois vamos ter que deixar muita coisa de lado.

Vamos esquecer as propostas voltadas à cultura. Afinal, antes temos que erradicar a pobreza.

Mobilidade urbana? Esqueçam. Primeiro é preciso acabar com a violência.

Estado laico e igualdade entre religiões? Não estão vendo que ainda há muito para fazer na educação?

É muito delírio achar que violência, fome, educação, saúde serão completamente resolvidos. Não que eu pense que mereçam estar nas condições em que hoje estão. Mas, por melhores que sejam as propostas dos candidatos nestas áreas, não vamos esquecer que somos seres históricos e que modificamos a sociedade em que vivemos, ao mesmo tempo em que somos modificados por ela. As questões sociais de hoje já não se apresentarão da mesma forma daqui a dez anos. Em suma: sempre haverá o que fazer.

Outra ilusão é achar que temas “secundários” (estou ironizando essa ótica hierarquizante) como cultura, LGBTT, negros, tolerância religiosa etc. não dialogam com os “primordiais”. Essa mania de isolar e compartimentar temas políticos já ajudou a contribuir para um rico histórico de aberrações da nossa “pátria amada”. Uma delas é o fato de o Congresso Nacional portar um crucifixo na parede e um bíblia sobre a mesa diretora. Por esta lógica, não há problema a presença destes adereços da fé católica em um recinto público (e, portanto, laico), pois uma coisa não tem nada a ver com a outra, certo?

“Acontece que vocês, LGBTTs, já têm seus direitos garantidos.”

Será?

Poderia discorrer páginas e páginas sobre Kaique Augusto Batista dos Santos, que no início do ano foi espancado até a morte e teve todos os seus dentes arrancados. Ou o caso mais conhecido, João Antônio Donati, 18 anos, espancado até a morte, pernas e pescoço quebrados. Mas não vou falar desses e de outros casos (e são muitos). Afinal, somos “minoria”, então que mal tem assassinar um de nós a cada 28 horas?

Para a ocasião, prefiro falar de alguns episódios pessoais, bem mais simples, mas que talvez consigam despertar a empatia de alguns heteronormativos. Não se preocupem, selecionei apenas três, que aconteceram no último ano.

Na prefeitura de Jaraguá do Sul, onde trabalhei dois anos e meio, os servidores têm direito a um Fundo de Saúde municipal, que custeia parte ou o valor total de consultas exames, cirurgias. Muito importante para quem não pode pagar um plano de saúde, como eu. Servidores homens têm direito a nomear suas esposas mulheres como dependentes, para que possam também usufruir desse plano.

Já eu, mulher, casada com outra mulher, não pude nomear minha companheira como dependente.

Sugestão aos heteronormativos: fiquem dois anos e meio sem o conforto do seu planinho de saúde. E aí me respondam: tive ou não meu direito cerceado?

Querem outra?

Este ano, fiz uma entrevista de trabalho em um escola particular de Florianópolis. Em algum momento (acho que foi ao ler minha ficha de cadastro), os entrevistadores ficaram sabendo que vivo em união estável com outra mulher. Não obstante, tive que ouvir aquele discursinho “não temos nada contra os homossexuais, desde que façam suas coisas em suas residências”.

Quando vocês, senhores e senhoras heteronormativos, vão a uma entrevista de emprego, costumam ouvir alguém dizer que não tem nada contra vocês, desde que pratiquem sua heterossexualidade em casa?

Mais uma: as pessoas na rua se escandalizam com vocês e os agridem verbalmente quando vocês andam de mãos dadas pela rua, com seus companheir@s?

Se até aqui as respostas foram “não”, então parabéns: estes são os primeiros centímetros do abismo social que diferencia, política e socialmente, heterossexuais e LGBTTs. Centímetros porque o buraco é bem mais embaixo: são quilômetros de cerceamento de direitos, desrespeito e violência. E tudo a céu aberto.

Só porque você tem um amigo gay, e nunca o viu ficar indignado, não significa que a situação está resolvida. Talvez, mediante o SEU preconceito – de julgar aos outros por si mesmo e achar que todo mundo está no mesmo barco que você – seu amigo ainda não tenha contado os perrengues que passa por conta da sua orientação sexual.

Por falar em orientação... você ainda fala “opção sexual”? Se sim, é só mais uma prova do tanto de feijão com arroz que você precisa comer para poder sustentar sua opinião.

Enfim, caros heteronormativos, façam a gentileza de não praticar sua ignorância e seu preconceito durante as eleições – justamente um momento importante para colocar a questão LGBTT e outros temas em pauta, entre aqueles de tradicional importância. Nós, gays, lésbicas, travestis, transexuais, prostitutas, seguidores de religiões de matriz africana, negros e mulheres podemos até ser "minoria" (!), mas temos tanto direito à cidadania e à atenção dos candidatos quanto vocês. Caso ainda não tenham percebido, é justamente para que mentalidades como as suas mudem – e tomem consciência da nossa existência e das nossas dificuldades – que estamos lutando.