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RODRIGO DACA & OS FAIXA-PRETA – Mundo Novo (2009)


20/03/2014
Por Ana Russi

Este recesso de dois meses do Solo Catarina não foi um abandono. Pelo contrário, se constituiu de muita garimpagem e pesquisa por sonoridades catarinenses.

Neste contexto, tive uma grata surpresa ao encontrar o nome de Rodrigo Daca & Os Faixa-Preta.

O primeiro trabalho do grupo a que tive acesso foi justamente o EP de estreia, intitulado Mundo Novo. Um álbum fluido, cujas cinco faixas agradam à primeira escuta. As músicas transitam por um rock alternativo bonito e muito melódico, ora lembrando Radiohead, ora remetendo à extinta banda paulistana Gram. Não faço este comparativo para sugerir imitação, e sim com o objetivo de chamar a atenção para um som que se mostra seguramente autoral, embora vagante de uma seara pra lá de manjada, que é o rock alternativo.

A primeira faixa dá nome ao álbum e fala da criação (e do desmoronamento) de expectativas.

Capa do EP
Se alguém diz pra ela “eu quero te beijar”
Ela então se encanta, se deixa confundir
Planta sonhos em seus cabelos
Cria um mundo novo
Que não demora a ruir

(...)

Descobri que tenho asas
E que posso ir bem mais longe
Não soube pra onde ir
Deixei o vento me levar

Plantei sonhos em meus cabelos
Criei um mundo novo
(Trechos de Mundo Novo)

Já a segunda faixa, O Remédio, é uma espécie de diálogo sinestésico sobre sofrimento. Chama a atenção o pronunciamento da caixa da bateria no início, meio marcial-fúnebre, fazendo oposição à levada reflexiva de todo o restante.


Rodrigo Daca é Rodrigo D'Acampora, compositor e cantor de Florianópolis. Aos Faixa-Preta compete a eficiência dos arranjos, que se destacam pelas sequências harmônicas feitas com cuidado, provocando suaves passagens entre tons maiores e menores, e usos conscientes de diminutas. Guitarras bem colocadas, bateria comedida. A voz melancólica de Daca soma muito bem à gramatura criativa do conjunto – o que se vê em pequenas “joias” que aparecem ao longo do álbum, como na faixa Há Dias, por exemplo, quando a guitarra vira uma extensão da voz.

Nem sempre o que vemos é o que parece ser
Há dias que temo não saber quem e você
Ah, se eu soubesse o que estava por vir
Eu quis o teu melhor
E mesmo assim eu me perdi
(Letra de Há Dias)

Em sua maioria, as letras falam de amores e dramas introspectivos. Porém, a escrita impecável impede que a temática caia na banalidade. Na ausência da trama musical, a poética de Daca não é menos do que fragmentos do sensível.


Depois de muito ouvir e resenhar este álbum, encontrei a página de Rodrigo Daca no SoundCloud, onde ele disponibiliza seus outros trabalhos para audição – incluindo seu mais recente disco, Ímpar, lançado no ano passado. À primeira escuta, já se percebe que o trabalho de Daca e seus Faixa-Preta só melhorou, sem perder a extensão de sua delicadeza para com as palavras e sons. O tempo, de fato é gentil com os bons artistas...

Mais um dia se foi
E eu não sei o que é
Pra sempre
Pra sempre

Pois comigo o tempo foi gentil
Durou o inverno chuvoso
E escondeu
As lágrimas no frio
(Trecho de Inverno Chuvoso)