Este recesso de
dois meses do Solo Catarina não
foi um abandono. Pelo contrário, se constituiu de muita garimpagem e pesquisa
por sonoridades catarinenses.
Neste contexto,
tive uma grata surpresa ao encontrar o nome de Rodrigo Daca & Os Faixa-Preta.
O primeiro
trabalho do grupo a que tive acesso foi justamente o EP de estreia, intitulado Mundo Novo. Um álbum fluido, cujas cinco faixas
agradam à primeira escuta. As músicas transitam por um rock alternativo bonito
e muito melódico, ora lembrando Radiohead, ora remetendo à extinta banda
paulistana Gram. Não faço este comparativo para sugerir imitação, e sim com o
objetivo de chamar a atenção para um som que se mostra seguramente autoral,
embora vagante de uma seara pra lá de manjada, que é o rock alternativo.
A primeira faixa
dá nome ao álbum e fala da criação (e do desmoronamento) de expectativas.
Capa do EP |
Se alguém diz pra ela “eu quero te beijar”
Ela então se encanta, se deixa confundir
Planta sonhos em seus cabelos
Cria um mundo novo
Que não demora a ruir
(...)
Descobri que tenho asas
E que posso ir bem mais longe
Não soube pra onde ir
Deixei o vento me levar
Plantei sonhos em meus cabelos
Criei um mundo novo
(Trechos de Mundo
Novo)
Já a segunda
faixa, O Remédio, é
uma espécie de diálogo sinestésico sobre sofrimento. Chama a atenção o
pronunciamento da caixa da bateria no início, meio marcial-fúnebre, fazendo
oposição à levada reflexiva de todo o restante.
Rodrigo Daca
é Rodrigo D'Acampora, compositor e cantor de Florianópolis. Aos Faixa-Preta
compete a eficiência dos arranjos, que se destacam pelas sequências harmônicas
feitas com cuidado, provocando suaves passagens entre tons maiores e menores, e
usos conscientes de diminutas. Guitarras bem colocadas, bateria comedida. A voz
melancólica de Daca
soma muito bem à gramatura criativa do conjunto – o que se vê em pequenas
“joias” que aparecem ao longo do álbum, como na faixa Há
Dias, por exemplo, quando a guitarra vira uma extensão da voz.
Nem sempre o que vemos é o que parece ser
Há dias que temo não saber quem e você
Ah, se eu soubesse o que estava por vir
Eu quis o teu melhor
E mesmo assim eu me perdi
(Letra de Há Dias)
Em sua maioria,
as letras falam de amores e dramas introspectivos. Porém, a escrita impecável impede
que a temática caia na banalidade. Na ausência da trama musical, a poética de Daca não
é menos do que fragmentos do sensível.
Depois de muito
ouvir e resenhar este álbum, encontrei a página de Rodrigo Daca no SoundCloud, onde ele disponibiliza seus outros
trabalhos para audição – incluindo seu mais recente disco, Ímpar,
lançado no ano passado. À primeira escuta, já se percebe que o trabalho de Daca e
seus Faixa-Preta
só melhorou, sem perder a extensão de sua delicadeza para com as palavras e sons.
O tempo, de fato é gentil com os bons artistas...
Mais um dia se foi
E eu não sei o que é
Pra sempre
Pra sempre
Pois comigo o tempo foi gentil
Durou o inverno chuvoso
E escondeu
As lágrimas no frio
(Trecho de Inverno
Chuvoso)