11/10/2013
Por Ana Russi
Quando o Tarrafa Elétrica lançou o CD Linhada de Cultura, o cenário independente da música do Vale do Itajaí tinha um alcance reduzido. Na época, grupos como Casa de Orates, Tribuzana e Pochyua & Cambaçu estavam começando a busca por um lugar ao sol, através de shows, CDs e também em sites de divulgação como MySpace e Trama Virtual. Embora faça apenas cinco anos desde o lançamento, o cenário artístico-musical mudou muito neste curto espaço de tempo.
Por Ana Russi
Quando o Tarrafa Elétrica lançou o CD Linhada de Cultura, o cenário independente da música do Vale do Itajaí tinha um alcance reduzido. Na época, grupos como Casa de Orates, Tribuzana e Pochyua & Cambaçu estavam começando a busca por um lugar ao sol, através de shows, CDs e também em sites de divulgação como MySpace e Trama Virtual. Embora faça apenas cinco anos desde o lançamento, o cenário artístico-musical mudou muito neste curto espaço de tempo.
Capa do álbum |
A faixa de abertura, Omarvirê, mistura funk e baques nordestinos com a
oralidade pesqueira do nosso litoral. Na sequência, vem Seu Arildo, uma perfeita
tradução do calor humano das inter-relações que se criam ao redor de uma mesa
itajaiense farta de coisas do mar:
Maria do Cais é uma valsa pós-moderna, popular e fagueira. Dois
recursos presentes nela e nas outras composições são a repetição e a pergunta-resposta,
bem populares nos folguedos catarinenses e já referidos em outras ocasiões aqui
no Solo Catarina:
O Linhada..., mesmo posterior à articulação Mané Beat, soa muito mais “manifesto”, pelo seu caráter visceral e atento ao modo terral de fazer música, de maneira que é impossível não identificar alguns dos incontáveis elementos culturais mostrados neste trabalho. Por conta disso, duas grandes mudanças foram provocadas por este disco à época do seu lançamento: 1) O impacto estético da mescla de ritmos peixeiros com outros ritmos nacionais fora do circuito comercial e 2) a façanha de arrebanhar uma legião de fãs, produzindo um som com identidade e arriscando no emprego de ritmos pouco convencionais.
PUXADOR: Maria que não vai com as outras, onde é que vais?
CORO: Pra beira do cais! Pra beira do cais!
PUXADOR: Na cama que deitou Maria, a gente já jaz.
CORO: A gente já jaz! A gente já jaz!
Trecho de Maria do Cais
O Linhada..., mesmo posterior à articulação Mané Beat, soa muito mais “manifesto”, pelo seu caráter visceral e atento ao modo terral de fazer música, de maneira que é impossível não identificar alguns dos incontáveis elementos culturais mostrados neste trabalho. Por conta disso, duas grandes mudanças foram provocadas por este disco à época do seu lançamento: 1) O impacto estético da mescla de ritmos peixeiros com outros ritmos nacionais fora do circuito comercial e 2) a façanha de arrebanhar uma legião de fãs, produzindo um som com identidade e arriscando no emprego de ritmos pouco convencionais.
A quarta faixa, Tristeza e Felicidade do Pescador, mostra
o quanto uma proposta de CD com acento
cultural* requer
responsabilidade. Em uma mescla criativa e fantástica, o grupo “importou” a
catira do interior de São Paulo para contar uma história de pescador
luso-catarina:
Batuque é provavelmente a música de trabalho do CD. É um
aglomerado de rimas fáceis como “brasileiro” e “pandeiro”, e um refrão que
ficou na minha cabeça o resto da semana. É superada pela composição seguinte, Linhada
de Cultura, um coco que funciona como um cartão de apresentação do Tarrafa Elétrica e de toda a gama de “catarinidade”
que os integrantes trazem consigo:
Turnê Linhada de Cultura (2009) |
Nossa tarrafa é alinhada com cuidado
Como se fora o encontro do sol com a lua
Batendo forte nos tambores da história
Nossa tarrafa é linhada de cultura
(...)
Pra chegar fundo no coração dessa gente
Alma fervente ebulindo cantoria
Um pão-por-deus pra alimentar todo esse povo
E um pau-de-fita pra trançar nossa magia
Trecho de Linhada de Cultura
Já deu pra perceber que este não é um CD restrito, limitado à territorialidade catarina. Pelo contrário, o Tarrafa é muito cuidadoso nas escolhas de ritmos e discursos de todo o Brasil, sinalizando que o tributo à terra e ao mar é, acima de tudo, um culto à diversidade. O repertório é também galgado no funk e no Mangue Beat, evidenciando em vários momentos a identificação sonora com os grupos Nação Zumbi e Mundo Livre S/A.
Por sinal, o funk Catarina é a sétima faixa e evoca o
ciclone da vida, nas praias opostas de porto e provincialismo da cidade de
Itajaí. Na sequência, a canção-manifesto Cidade dos Containeres explica a razão
de existir deste álbum: se nos anos 80 o Engenho botou o boi na rua pelo fortalecimento da cultura local (leia sobre
isso aqui), na primeira
década do novo milênio é a vez de reciclar
contêiner e trazer a cultura peixeira de uma vez por todas para dentro da
música!
O forrozinho Na Beira do Mar é mais uma canção
pra repousar a mente e dar uma “quebra” nas anteriores, mais politizadas. Já Auto
Dançante entra no rol dos grandes amálgamas culturais do Tarrafa Elétrica, que se apoia no
maracatu para realizar um verdadeiro Mané
beat, devoto ao mais tradicional dos nossos folguedos:
Amola a faca pra cortar a cana
Que hoje a noite é açoriana
Auto dançante Boi-de-Mamão
Terno de Reis, ficaram aqui as procissão
Amola a faca pra cortar tainha
Pra pescar longe, tem que dar mais linha
Linha de renda, linha pra rendar
Nossa bagagem é luso-ibérica
Auto dançante, Boi-de-Mamão
Com a barca toda, segue a procissão
Eu vou benzer esse boi
Com galho de alecrim
Ó senhor dono da casa
Dá um dinheiro pra mim
A canção Sujismundo traz um divertido samba-rock-maracatu, e é seguida pela faixa de encerramento Tristraído – uma bossinha levada pelo cavaco estilo Fred Zero Quatro (do Mundo Livre) para ovacionar Zimbros e a beleza da paisagem que paira sobre nossos litorais.
Que hoje a noite é açoriana
Auto dançante Boi-de-Mamão
Terno de Reis, ficaram aqui as procissão
Amola a faca pra cortar tainha
Pra pescar longe, tem que dar mais linha
Linha de renda, linha pra rendar
Nossa bagagem é luso-ibérica
Auto dançante, Boi-de-Mamão
Com a barca toda, segue a procissão
Eu vou benzer esse boi
Com galho de alecrim
Ó senhor dono da casa
Dá um dinheiro pra mim
Trechos de Auto Dançante
A canção Sujismundo traz um divertido samba-rock-maracatu, e é seguida pela faixa de encerramento Tristraído – uma bossinha levada pelo cavaco estilo Fred Zero Quatro (do Mundo Livre) para ovacionar Zimbros e a beleza da paisagem que paira sobre nossos litorais.
Se você ficou com vontade de conhecer o álbum completo,
saiba que se clicar aqui, será
automaticamente direcionado para um link disponibilizado pelo próprio Tarrafa Elétrica, para download e audição do CD – uma atitude inteligente e evoluída, porém
ainda rara entre os músicos em geral. No Facebook do grupo, você encontra outras informações e também a
agenda de shows.
* Ao utilizar o
termo acento cultural, empresto a
definição de Vê Domingos, do grupo
conterrâneo Tribuzana, para definir
a arte identitária de tradições locais.
AZAMBUJA, L. D. O Mangue, o Mané e outros Beats. REPOM - Revista de
Estudos Poéticos-Musicais, Florianópolis, n. 3, Julho 2006. ISSN
ISSN:1806-9401. Disponível em http://www.repom.ufsc.br/repom3/luciano.htm.
Último acesso em 05 de setembro de 2013.
(Fonte das imagens: Facebook )
(Fonte das imagens: Facebook )