19/09/2013
Por Ana Russi e Josi Lahorgue
(fonte: divulgação) |
Neste texto, sobre uma montagem teatral que assistimos no
início de setembro em Jaraguá do Sul, não nos propusemos a escrever uma
resenha como críticas de dramaturgia, mas como duas espectadoras que contemplaram
uma obra de arte. Obra que proporciona uma experiência estética para além da
simples apreciação do belo, levando-nos
a (re)criar e (re)pensar nosso ser e estar no mundo.
Duas Mulheres tem direção assinada por Thiago Daniel e é encenada pela atriz Suzi Daiane. Arriscamos dizer que se trata um monólogo polifônico,
emprestando o conceito de polifonia de Bakhtin, no qual diversas vozes sociais
se apresentam em eqüipolência: consciências
e vozes participam de um diálogo com outras consciências e vozes, em igualdade,
sem objetificarem-se. Vozes e consciências autônomas e imiscíveis, fazendo com
que os expectadores apreciem a tensão existente na obra.
Acima de tudo, a montagem vai na contramão da mesmice
do teatro jaraguaense.Talvez seja precoce tirar determinadas conclusões sobre a
cena artística do município, já que moramos aqui há apenas um ano. No entanto,
por sermos de Blumenau (outra cidade de colonização europeia construída sobre o
setor industrial) e termos uma parte da vida constituída pelos contatos com a comunidade
artística de lá, há certa experiência para disparar algumas conclusões. E a
principal delas é: deve ser difícil fazer teatro sem a SCAR (Sociedade Cultura
Artística de Jaraguá do Sul), dada a baixa qualidade das montagens que assistimos
por aqui.
Tirando a excelente peça Rigobello – O inspetor geral,
da GPOEX (Grupo de Experimentação Cênica da SCAR), e outras montagens menores
de dissidentes do mesmo grupo, no âmbito cênico vimos poucas produções que
realmente valeram ter saído de casa. Aliás, parece que é bem difícil realizar
qualquer produção desvinculada da SCAR, já que é o maior núcleo artístico do
município e coexiste através de participação empresarial, caracterizando-se
como principal provedor financeiro da arte na cidade.
Ficha técnica (fonte: divulgação) |
Para além da instituição, há que se considerar ainda a
própria produção artística como algo que se modifica junto com o contexto. No
caso do teatro de Jaraguá do Sul, essa lenta metamorfose geralmente acompanha o
pulsar econômico da urbe, fazendo da dramaturgia um negócio. Assim, temos uma
produção considerável de peças feitas para vender, planejadas para ganhar
público com piadas fáceis e esforços interpretativos nulos. Mas em casos raros, o movimento se dá em
sentido oposto e o artista dispara contra a miséria poética do setor
secundário.
Este é o motivo pelo qual nos surpreendemos completamente com Duas
Mulheres: não houve piada; não houve donzela; não houve canastrões; não
houve história com início, meio e fim. O que aconteceu foi uma montagem impactante,
sobre aprisionamento, insanidade e violência. Uma obra que você começa a
assistir com medo de não entender nada; mas depois que reconhece os
acontecimentos, nem pisca os olhos pra não perder um segundo sequer de
informação.
A apresentação foi uma espécie de reestreia, pois a peça já tinha sido apresentada no ano passado com outra interface. Embora esta nova versão já esteja em sua quinta exibição, ainda soa como recém-criada –
inclusive para a própria Avenida
Lamparina, que define esta transição do espetáculo como um exercício de
depuração do roteiro. Assim, se as apresentações de 2012 foram totalmente
diferentes (com um roteiro mais detalhado e outra construção de cenário), muito
já foi modificado desde a reestreia e haverá tantas outras edições que serão
vertentes lapidadas. A arte em pleno trânsito de ser.
A contratação de um cenógrafo, segundo a Avenida Lamparina, foi decisiva para a
construção de um cenário mais dinâmico, cujo movimento de objetos específicos
traz significados que são omitidos no texto, permitindo que Duas
Mulheres seja uma montagem propositalmente caótica e pesada.
Suzi e Thiago: Cia. Avenida Lamparina |
A construção da personagem é mérito da Suzi Daiane. Os movimentos corporais são meticulosos e ajudam a
guiar o público na organização mental do roteiro. Este é assinado pelo Thiago, junto com a iluminação – a qual também
foi uma condutora essencial da história. Entremeado pelas cenas de escuridão
total, o jogo de luzes compartilha com o espectador a angústia proposta pela
obra.
Saímos do teatro perplexas com o horror e o funesto sugeridos
pela peça. Ao mesmo tempo, satisfeitas por saber que existem artistas que não
apenas se resguardam da arte como modo de produção, como também fazem questão
de transgredir, gritando, ao sabor do caos cênico, que fazer teatro em Jaraguá do Sul pode ser inesperado...
e inovador.
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Avenida Lamparina.