02/07/2013
Por Ana Russi
Capa do CD |
Neste seleto grupo de artistas catarinenses que realmente se preocupam com a Educação está a banda Swami. É uma banda de rock de Blumenau, eu não sei exatamente há quanto tempo existe, mas sei que já tem alguns anos de estrada, pelo tempo que eu ouço falar dela! Segundo a página do projeto no Facebook, o show Versos En’Cantados começou a circular em 2010. Trata-se de uma “palestra-show” que conta a história da poesia no Brasil, com a interpretação de 13 poemas em versões musicadas pela banda. A intenção é usar a linguagem da música para aproximar o jovem da poesia clássica.
A propósito, esta análise parte da audição de um CD do
projeto, distribuído após apresentação na E.B.M.
Zulma Souza da Silva de Blumenau, cuja diretora
Gizéli Coelho teve a delicadeza de reservar um exemplar para mim.
Agradecida, viu?
A primeira faixa do CD é a Ex-Poesia dos Detonautas, que ficou meio perdida na
relação com a sequência que vem em seguida. O álbum poderia ter iniciado na
segunda música, que é a versão para Epílogos de Gregório de Matos Guerra. Nela, a banda empresta voz contemporânea
às palavras de Boca do Inferno, demonstrando que sua indignação e sarcasmo seiscentistas
são mais do que atuais:
A partir daí, o álbum prossegue na linha do tempo da poesia
brasileira. O Arcadismo é representado pela Lira XXIII de Tomás Antônio Gonzaga: neste momento a
banda usa sons mais acústicos e leves e dá um tom meio humorístico ao texto.
Ao chegar à primeira geração do Romantismo, a Canção
do Exílio de Gonçalves Dias se
mostra uma versão rica e interessante, que explora toda a capacidade sonora e
criativa da banda.
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Trecho da Canção
do Exílio – Gonçalves Dias
Texto do encarte |
Confesso que ouvir o álbum Versos En’Cantados pela primeira vez
foi um desafio. Gosto muito de poesia, e conheço todas as que estão no CD. Por
isso, minha primeira sensação foi mais ou menos como ler um livro e depois
assistir o filme roteirizado sobre o mesmo livro: é impactante perceber que as
construções visuais do diretor não são as mesmas que as nossas. Digo isso
porque, para quem já conhece as obras, é possível que aconteça um estranhamento
na primeira audição. Mas é só manter a mente aberta e deixar o preconceito de
lado (afinal são “conceitos pessoais construídos previamente”), que a gente logo
percebe que o trabalho da Swami é
ótimo e muito gostoso de ouvir.
Também é importante lembrar que esse álbum é dirigido para
estudantes, que já têm certo senso crítico e não aceitam qualquer coisa – e dá
pra notar que houve um grande cuidado, nesse sentido. Não é por acaso que na
quinta faixa do CD, Um Cadáver de Poeta (Álvares de Azevedo), tornam-se evidentes
duas preocupações por parte dos músicos: respeitar a atmosfera da poesia (a
profunda depressão da segunda geração romântica), sem correr o risco de tornar
a compilação desinteressante.
Na geração romântica condoreira, apresentada na sexta faixa,
encontramos uma releitura cuja sonoridade intercala muito bem a agonia escrava
e o banzo melancólico dos versos de Castro
Alves:
À poesia-forma, sagra-se o “rock-forma”: assim é a
parnasiana Via Láctea de Olavo
Bilac. Ela é seguida de Inefável, poesia do simbolista catarinense
Castro Alves que se transforma em um
rock de profundidade e peso nas aliterações. Já a versão para Versos Íntimos nos leva a pensar que se
o punk brasileiro tivesse começado na
virada do século XIX para o XX, estaria atrelado à obra pré-moderna de Augusto dos Anjos.
A partir da décima faixa, entramos na poesia moderna. A
crítica de Mário de Andrade ao vazio
da high society de sua época é abordada
com irreverência na releitura de Moça Linda Bem Tratada. Já a
tragédia social na poética de Manuel
Bandeira é apresentada com intensidade, através de distorções que quase
berram a urgência dos versos:
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
O Bicho – Manuel Bandeira
A banda prossegue no Modernismo, com Motivo de Cecília Meirelles, seguida de As
Sem-Razões do Amor de Carlos
Drummond de Andrade, cujos versos ganharam arranjo leve e transcendental,
bastante diferenciado das faixas anteriores. Embora a visita à poesia
brasileira encerre misturando reggae e
rock na Canção do Dia de Sempre de Mário
Quintana, a banda ainda nos presenteia com duas canções autorais, Claro e Escuro e Quatro Elementos, das quais eu destaco a segunda pela excelente composição e qualidade de
arranjo:
Eu não tive a felicidade de ver o show da Swami nas escolas, o que imagino que
deve ser ainda mais legal do que ouvir o CD. Mas além de músicos muito
entrosados, a banda conta com um vocalista que é professor de Língua Portuguesa
e Literatura. Admito que não gostei muito das gravações do vocal; mas ter um frontman com conhecimento acadêmico do
tema, capaz de estabelecer uma comunicação produtiva com a gurizada, é de suma
importância em projetos responsáveis como este. Que sirva de exemplo para
outros artistas e educadores.
Ao acessar a página do projeto Versos En’Cantados,
você encontra mais informações e a agenda de shows da banda Swami. Quem sabe o próximo não é em uma escola perto da sua casa?