SWAMI – Versos En’Cantados (2010)

02/07/2013



Hoje o Solo Catarina vai falar de educação. Ou melhor, vai falar do desafio que é, para um artista, levar um pouco da rica linguagem musical para a escola – um espaço que muitas vezes dá a impressão de estar fechado para qualquer forma artística que não diga respeito à música de massa e ao consumismo em si.

Capa do CD
Que fique claro, logo de início, que este blog respeita e promove artistas que vão à escola para promover a arte, e não a si próprios. Entendemos que quando o artista busca o espaço pedagógico em nome da arte, inevitavelmente o educando irá vislumbrar a arte atravessada por esse artista. Mas isso é bem diferente de eu chegar à escola, fazer o meu show, vender o meu CD e sair dizendo que “contribuí para a educação”, quando na verdade eu nem dialoguei com a comunidade que ali está.

Neste seleto grupo de artistas catarinenses que realmente se preocupam com a Educação está a banda Swami. É uma banda de rock de Blumenau, eu não sei exatamente há quanto tempo existe, mas sei que já tem alguns anos de estrada, pelo tempo que eu ouço falar dela! Segundo a página do projeto no Facebook, o show Versos En’Cantados começou a circular em 2010. Trata-se de uma “palestra-show” que conta a história da poesia no Brasil, com a interpretação de 13 poemas em versões musicadas pela banda. A intenção é usar a linguagem da música para aproximar o jovem da poesia clássica.

A propósito, esta análise parte da audição de um CD do projeto, distribuído após apresentação na E.B.M. Zulma Souza da Silva de Blumenau, cuja diretora Gizéli Coelho teve a delicadeza de reservar um exemplar para mim. Agradecida, viu?

A primeira faixa do CD é a Ex-Poesia dos Detonautas, que ficou meio perdida na relação com a sequência que vem em seguida. O álbum poderia ter iniciado na segunda música, que é a versão para Epílogos de Gregório de Matos Guerra. Nela, a banda empresta voz contemporânea às palavras de Boca do Inferno, demonstrando que sua indignação e sarcasmo seiscentistas são mais do que atuais:


A partir daí, o álbum prossegue na linha do tempo da poesia brasileira. O Arcadismo é representado pela Lira XXIII de Tomás Antônio Gonzaga: neste momento a banda usa sons mais acústicos e leves e dá um tom meio humorístico ao texto.

Ao chegar à primeira geração do Romantismo, a Canção do Exílio de Gonçalves Dias se mostra uma versão rica e interessante, que explora toda a capacidade sonora e criativa da banda.

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Trecho da Canção do Exílio – Gonçalves Dias

Texto do encarte
O projeto Versos En’Cantados soa como um momento de transição para a Swami: o que antes era somente outra banda de rock numa seara mais que congestionada, passou a ser, depois do projeto, um grupo com um papel social verdadeiro, respeitado não só pelos poucos apreciadores da música local blumenauense, como também pelos adolescentes. A permanência do projeto, que já tem 3 anos, é a prova de que o jovem não é nenhum burro que só tem capacidade mental para ouvir “Lek, leks”, “tchus” e “tchas”, “quadradinhos de oito” e seus congêneres. O educando é muito aberto ao novo – e isso eu posso assegurar pela minha experiência como educadora musical. Não dá mais para admitir que um professor leve músicas como esta para o ambiente de educação como se fosse a única alternativa, com a desculpa de que “não adianta, eles só gostam disso”.


Confesso que ouvir o álbum Versos En’Cantados pela primeira vez foi um desafio. Gosto muito de poesia, e conheço todas as que estão no CD. Por isso, minha primeira sensação foi mais ou menos como ler um livro e depois assistir o filme roteirizado sobre o mesmo livro: é impactante perceber que as construções visuais do diretor não são as mesmas que as nossas. Digo isso porque, para quem já conhece as obras, é possível que aconteça um estranhamento na primeira audição. Mas é só manter a mente aberta e deixar o preconceito de lado (afinal são “conceitos pessoais construídos previamente”), que a gente logo percebe que o trabalho da Swami é ótimo e muito gostoso de ouvir.

Também é importante lembrar que esse álbum é dirigido para estudantes, que já têm certo senso crítico e não aceitam qualquer coisa – e dá pra notar que houve um grande cuidado, nesse sentido. Não é por acaso que na quinta faixa do CD, Um Cadáver de Poeta (Álvares de Azevedo), tornam-se evidentes duas preocupações por parte dos músicos: respeitar a atmosfera da poesia (a profunda depressão da segunda geração romântica), sem correr o risco de tornar a compilação desinteressante.

Na geração romântica condoreira, apresentada na sexta faixa, encontramos uma releitura cuja sonoridade intercala muito bem a agonia escrava e o banzo melancólico dos versos de Castro Alves:


À poesia-forma, sagra-se o “rock-forma”: assim é a parnasiana Via Láctea de Olavo Bilac. Ela é seguida de Inefável, poesia do simbolista catarinense Castro Alves que se transforma em um rock de profundidade e peso nas aliterações. Já a versão para Versos Íntimos nos leva a pensar que se o punk brasileiro tivesse começado na virada do século XIX para o XX, estaria atrelado à obra pré-moderna de Augusto dos Anjos.

A partir da décima faixa, entramos na poesia moderna. A crítica de Mário de Andrade ao vazio da high society de sua época é abordada com irreverência na releitura de Moça Linda Bem Tratada. Já a tragédia social na poética de Manuel Bandeira é apresentada com intensidade, através de distorções que quase berram a urgência dos versos:

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.
O Bicho – Manuel Bandeira

A banda prossegue no Modernismo, com Motivo de Cecília Meirelles, seguida de As Sem-Razões do Amor de Carlos Drummond de Andrade, cujos versos ganharam arranjo leve e transcendental, bastante diferenciado das faixas anteriores. Embora a visita à poesia brasileira encerre misturando reggae e rock na Canção do Dia de Sempre de Mário Quintana, a banda ainda nos presenteia com duas canções autorais, Claro e Escuro e Quatro Elementos, das quais eu destaco a segunda pela excelente composição e qualidade de arranjo:


Eu não tive a felicidade de ver o show da Swami nas escolas, o que imagino que deve ser ainda mais legal do que ouvir o CD. Mas além de músicos muito entrosados, a banda conta com um vocalista que é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Admito que não gostei muito das gravações do vocal; mas ter um frontman com conhecimento acadêmico do tema, capaz de estabelecer uma comunicação produtiva com a gurizada, é de suma importância em projetos responsáveis como este. Que sirva de exemplo para outros artistas e educadores.

Ao acessar a página do projeto Versos En’Cantados, você encontra mais informações e a agenda de shows da banda Swami. Quem sabe o próximo não é em uma escola perto da sua casa?