ORQUESTRA DE CÂMARA DE BLUMENAU – Renato Borghetti & Orquestra de Câmara de Blumenau (2013)

28/09/2013

FONTE: divulgação
Na última segunda-feira, assistimos à segunda temporada da turnê da Orquestra de Câmara de Blumenau com o gaúcho Renato Borghetti como solista. Foi um momento importante para Blumenau, depois de tantos dias de chuva elevando o Rio Itajaí a quase 11 metros. Como o sol voltou a brilhar na segunda-feira, a apresentação, que estava em vias de ser cancelada, acabou acontecendo e a população compareceu, em peso, para enxugar a melancolia no teatro da cidade.

Tocar música do centro-sul da América Latina não é pra qualquer um. E só por isso a Orquestra de Câmara já merece o maior respeito, já que é o segundo ano em que se adianta ao abrir espaço para a música gaúcha. Nesta segunda edição do encontro com Borghetti, os músicos novamente colocam em evidência um dialeto sonoro que, embora seja tão rico quanto outros gêneros brasileiros, na prática não goza do mesmo prestígio – principalmente pelos profissionais da música orquestrada.


A playlist do concerto está na imagem abaixo (clique para ampliar):

FONTE: divulgação

Outro aspecto que ganha destaque é a coesão e competência dos músicos. Tudo bem que isso é o esperado em um grupo com 32 anos de existência, que já rodou o Brasil e a Europa e pelo qual passaram músicos de primeira linha. Mas vamos lembrar que Santa Catarina, em especial o Vale do Itajaí, é um grande berço de grupos ligados à música erudita, o que garante que antigos gêneros musicais sejam bem representados por aqui, ao mesmo tempo em que abre a possibilidade para propostas sofríveis. No caso da Orquestra, as cordas se juntaram em uma polifonia suave e dialógica, criando o ambiente perfeito para o desenvolvimento da gaita de Borghetti.

É importante salientar que essa musicalidade só tem força porque tem um triplo fundamento: além de Borghetti, o maestro Daniel Bortholossi e o incrível Daniel Sá. Pergunto-me por que este último não teve seu nome reunido, na apresentação do projeto, ao de Borghetti e a Orquestra, visto que tal encontro só alcançou tamanho êxito por conta da qualidade de seus arranjos e a profunda bagagem que carrega quando o assunto é música nativista.

Mas o espetáculo demonstra o empenho e sucesso nas ações de cada componente. Por exemplo, na escolha da Orquestra em abrir com Fuga y Misterio de Astor Piazzolla. Além de ambientar o público para a viagem sonora pela “América Meridional”, Bortholossi e seus comparsas começam o espetáculo em terreno bastante seguro, já que o diálogo da Orquestra com o compositor argentino vem de longa data. Basta lembrar que em 1988 o grupo blumenauense lançou o LP Jobim Encontra Piazolla, que traz, entre outras joias, a excelente interpretação para Primavera Porteña:


FONTE: divulgação
De volta ao espetáculo desta semana, podemos garantir que, mesmo para quem não é muito chegado em música erudita ou nas tradições gaúchas, era impossível não gostar do espetáculo de competência técnica, harmonia, qualidade de arranjos e sensibilidade que se materializou no palco. Todas as peças foram executadas como obras de arte.

Há que se mencionar, ainda, a simpatia do trio que conduziu o grupo: entre as músicas, Bortholossi, Renato e Daniel sempre contavam “causos” ligados ao processo de concepção do espetáculo e das composições, evidenciando que tal grandeza de produção requer, também, muita amizade e afetos.

Em O Pulo do Grilo e Taquito Militar, o grupo chegou a tirar inesperadas e fabulosas “distorções” da gaita e das cordas. A canção Sétima do Pontal, clássica paisagem sonora da beira do Guaíba, ganhou um arranjo mais lento e instrospectivo, lembrando Grieg. O coletivo também cuidou em reverenciar a presença da influência gaúcha em Santa Catarina, interpretando Barra do Ribeiro, de Guinha Ramirez. E, para além das músicas do encarte, o show se consumou no bis com a clássica Merceditas do argentino Ramón Sixto Rios e, claro, Milonga Para As Missões. Sem esta última, definitivamente não seria um show com Borghetti.

 
Milonga Para As Missões Renato Borghetti & Orquestra
de Câmara de Blumenau (Ponta Grossa, 02/09/12) 

Minhas muitas razões para bajular tanto a Orquestra de Blumenau são pessoais e históricas, e vão além da evidente primazia interpretativa da mesma. Este grupo estrelou a primeira apresentação que assisti de um concerto erudito, aos 9 anos. Em 1990, meu Tio Paulo levou-me para conhecer o Festival de Música de Blumenau, no qual a Orquestra desfiou suas habilidades ao interpretar Tchaikovsky, Vivaldi e Mozart. Apesar do tempo, as lembranças são muito claras: sentamos na última fileira do balcão, e eu fiquei paralisada de fascinação com o imenso grupo de cordas que dava ali toda a sua energia, somada à disposição e simpatia do grande Norton Morozowicz.

Não saberia mensurar o quanto esse episódio pode ter contribuído para que, um ano depois, eu começasse as primeiras aulas de clarinete, ou mais tarde as de violão. Ou então, para que aos 12 anos, já de volta a Porto Alegre, eu andasse na contramão dos meus amigos e gostasse tanto de ouvir música erudita em fitas cassete e na rádio AM da UFRGS. Na verdade, é muito provável que este episódio não tenha nada a ver com a minha vida inteira dedicada à música. Mas é fato: sempre que a Orquestra de Câmara se apresenta e eu posso prestigiar, vem à mente essa clara lembrança, que permanece viva na memória junto a uma insistente impressão de que “tudo começou neste dia”...

 Concerto em Sol Maior (Mozart) Orquestra de Câmara
 de Blumenau (Festival de Música de Blumenau, 1990) 

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