SAMBURÁ – O Fim do Começo: Samburá Ao Vivo (2013)

29/08/2013

Na semana passada, fomos conferir o show do grupo Samburá, de Itajaí – cidade que já tem tradição na formação de instrumentistas competentes, por conta da existência do conservatório municipal e da diversidade acadêmica oferecida nesta área.
Foto: Ana Russi
Verdade seja dita, fomos ao show O Fim do Começo mais como atividade de lazer do que pelo fim específico de fazer uma resenha. Mas quando cheguei ao teatro, observei que as cadeiras estavam dispostas não de frente para os instrumentos, e sim ao redor. Fiquei muito feliz com a primeira impressão que tive: a de um grupo preocupado em interagir com o público. E de fato, ao longo do show, o Samburá se mostrou um coletivo de músicos versáteis e inteligentes, tentando vencer a própria timidez para receber seus ouvintes com gentileza. A playlist do show foi a seguinte:
  1. No Busão
  2. Do Mar
  3. Hermeticamente Cipozístico
  4. Ecos da Mente
  5. Samba Hum
  6. Cabeça de Baião
  7. Boi de Papaia
  8. Inquietação Mental

Há boas justificativas para os shows instrumentais existirem, para além da simples razão de reunir músicos eficientes: é um tipo de apresentação que valoriza o instrumento como objeto essencial para o fazer musical, ao mesmo tempo em que reconhece o grupo como um todo, sem colocar ninguém à sombra de estrelismos individuais.

Foto: Ana Russi
Apesar disso, há muitas bandas instrumentais que fazem música apenas para si próprias, usando o palco para desenvolver uma linguagem sonora que só é compreendida por quem toca, como se fosse um ensaio fechado. Quando isso acontece, os ouvintes se esforçam para compreender a sonoridade executada, mas não conseguem porque os músicos se divertem em um rebuscado mundo que só a eles pertence, até o momento em que percebem que os “pobres mortais” da plateia estão perdendo o interesse pelo show. Aí fazem uma sessão de de solos virtuoses (uma demonstração técnica muito mais visual que sonora), arrancam aplausos, viram-se uns para os outros e continuam o que estavam fazendo, como se não houvesse mais ninguém no teatro.

A Samburá, felizmente, vai no sentido contrário e preza por um carinhoso tratamento a seus ouvintes. Sua atual formação traz Alexandre Stoll (guitarra), Duda Cordeiro (contrabaixo) e Mário Júnior (bateria), com destaque para Elieser de Jesus nos teclados – cujo desempenho permite constatar que se trata de um bom pianista – e Evandro Hasse em um diversificado naipe de metais muito bem aproveitados. Esses habilidosos músicos se mostraram entrosados e tecnicamente preparados, fazendo um som criativo no qual é possível, inclusive, identificar alguns recursos acústicos identitários da banda – como as linhas melódicas executadas a 2 ou 3 instrumentos, geralmente em uníssono.

Das composições tocadas, gostei muito de Hermeticamente Cipozístico, que homenageia o mestre Hermeto Pascoal, ao mesmo tempo em que alude à Dr. Cipó, banda instrumental de Florianópolis que é referência no gênero aqui no estado.

Boi de Papaia é a música mais inteligente do show, e a que fez o grupo ganhar esta resenha. Eles expõem a qualidade de composição e execução do Samburá em uma inteligente instrumentalização de fraseados e batidas do boi-de-mamão, ao mesmo tempo em que não caem na obviedade de simplesmente reproduzir um ritmo popular.


Inquietação mental fecha o show com chave de ouro. Para tal, o Evandro explica antecipadamente que a composição se baseia no rush da vida cotidiana, com suas correrias, sirenes, buzinas e tudo o que urge na nossa mente. Uma deliciosa paisagem sonora nos interpela e convida a uma certa reflexão sobre nosso ritmo de vida.

Foto: Ana Russi
Antes de terminarmos, é importante ressaltar que o avanço da indústria de entretenimento, e o fato da própria educação musical ficar em segundo plano em nosso país transformaram o publico muito em uma massa muito mais vidente do que auditiva. Daquele cara dos anos 70, que ia aos festivais para “curtir o som”, passamos àquele faminto pelos megashows de efeitos visuais regados a bebidas alcóolicas. O crítico RégisTadeu costuma encerrar suas resenhas sobre os festivais da atualidade com a frase: “não é pra quem gosta de música; é pra quem gosta de festival”. Por conta disso, o artista hoje faz trabalho dobrado – além de compor e executar bem, tem que manter seu som interessante. E é por essa razão, também, que quando encontramos um grupo como este, formado por sujeitos de grande inteligência musical, e com a simplicidade de valorizar o público (que na ocasião era pequeno, mas muito interessado), somos movidos a compartilhar sua existência com nossos leitores.

Em conversa com o tecladista Elieser, confirma-se que essa preocupação do coletivo com o público é recorrente, a ponto de levar a Samburá a assumir uma nova dinâmica de execução em seus shows. A rotina de apresentações diárias da turnê O Fim do Começo levou os músicos a um ponto em que eles estavam enfrentado um certo “tédio” em tocar suas próprias músicas sempre do mesmo jeito – nas palavras do tecladista, “parecia que estávamos fazendo cover do próprio grupo”. Em função disso, eles têm investido nos improvisos, a fim de fortalecer o diálogo musical completo e tornar cada show único.

Para conhecer mais, acesse o Facebook da Samburá e assista ao curta Samburá, filhos do Festival de Itajaí, de Marcelo Cássio B. Silva, que relaciona a sonoridade da banda com a deliciosa atmosfera da cidade de Itajaí: