Capa do álbum |
Por Ana Russi
Existe, na história da música catarinense, um ser humano que tenha recebido elogios de Vinicius de Moraes e Dave Brubeck? Que tenha dividido moradia com Tim Maia e Hermeto Pascoal? Que tenha sido apresentado por João Gilberto à cena musical carioca sessentista? Que tenha participado de divertidas jam sessions na companhia de Sivuca?
Pois saiba que esse sujeito existiu, e se chamava Luiz Henrique Rosa.
Se você já o conhece, pode estar se perguntando: “Por que
não escrevem sobre um álbum gravado pelo próprio?”. Sim, pretendemos abrir
espaço, em doses homeopáticas, para a obra original de Amarelo (como Luiz
Henrique era chamado pelos manezinhos). Isso depende um pouco do que vamos
encontrar nos sebos, blogs e torrents da vida.
“Luiz Henrique possuía um estilo leve, uma Bossa Nova
totalmente diferente. Ele era versátil, incrível.”
Jorge Benjor
A escolha de começar pela coletânea A Bossa Sempre Nova de Luiz Henrique se deve ao fato de que, até agora, ela foi uma das poucas tentativas de trazer à popularidade o nome deste catarinense – que foi admirado e querido pelos maiores nomes da música brasileira, mas por alguma inexplicável injustiça do nosso showbusiness permaneceu anônimo, inclusive na terra onde nasceu.
O álbum abre com Elza
Soares (uma das melhores vozes escolhidas para a compilação) cantando Itaguaçu,
já de cara revelando como o cancioneiro de Luiz
remete a uma tranquila Florianópolis da década de 60, diferente do destino
turístico no qual se transformou:
Na faixa que vem a seguir, Ivan Lins interpreta Sonhar. Aqui encontramos abertura na
poética textual de Luiz Henrique Rosa,
que para além do contexto ilhéu, também tinha no amor a grande inspiração de
sua obra (não é à toa que encontrou abrigo na bossa nova). Depois, é a vez de
revisitar sua fase mais soul –
construída, em parte, na época em que ele esteve nos Estados Unidos – ouvindo Listen
To Me na voz de Sandra de Sá.
Luiz Henrique Rosa (autor da foto: desconhecido) |
A mais encantadora das vozes do álbum aparece na quarta faixa,
interpretando Florianópolis. Luiz
Meira foi até a França buscar Bia
Krieger – uma das muitas cantoras brasileiras que encontraram no exterior o
merecido reconhecimento para sua originalidade interpretativa. Esta faixa
merece atenção especial, pois além de uma rara beleza sonora, ela também
sintetiza a importância e a identidade da obra de Amarelo:
Na quarta faixa, Luiz
Melodia interpreta Se O Amor É Isso. Assim como na
faixa anterior, é possível ver a qualidade dos arranjos de Meira, que é exímio
violonista e faz justiça à memória de seu homônimo, que também dominava o
instrumento.
Em I Was Afraid, percebe-se que mesmo post mortem, o compositor opera milagres, auxiliado por seu arcanjo Meira: neste álbum, Toni Garrido interpreta, provavelmente,
as duas únicas músicas boas de toda a sua carreira! De volta com Elza Soares, a faixa Alicinha
dá sequência às composições em inglês de Luiz
Rosa.
Ilha Azul, na voz
de Sandra
de Sá, é a perfeita tradução catarinense da Bossa Nova, com direito a “barquinho”,
“mar”, “meu amor” e tudo o que diz respeito à retórica clássica deste gênero
musical:
Vento solto
Vela fofa sopra
Mar e milha no balanço dançam
Maravilha
Corações em festa
Bordejando na escora passa
A brancura da espuma canta
Natureza
Nada mais me falta
Eu vou velejando mansinho
Meu barquinho
Eu vou indo pro céu
Tempo azul
Vento bom lá no alto
Lá vou eu direitinho pro céu
Meu amor vai juntinho comigo
E sorrindo cantando também
A canção do barquinho feliz
Na canção deste amor
Deste bem
Ilha Azul, de Luiz Henrique Rosa
Embora este CD trabalhe com ritmos não genuínos da cultura
catarinense, cabe salientar que Luiz
Henrique Rosa escreveu um capítulo importante na história da música local,
ao beber de fontes musicais diversas no Brasil e no exterior, aclimatando estas
assimilações à linguagem e cenários típicos de Florianópolis (cidade por ele
adotada, embora tenha nascido em Tubarão). E, neste álbum, especificamente, o
produtor Luiz Meira foi bastante
responsável em propor uma releitura contemporânea para as composições.
Na sequência, a valsa-bossa To Be A Lover interpretada
por Bia Krieger é uma releitura
contemporânea e cosmopolita da versão original. Já a décima faixa, Jandira,
é outra das canções soul que integram
o CD – e também a segunda interpretada por Toni
Garrido.
“Estou
ouvindo uma versão
de Vivo Sonhando,
de
Luiz Henrique, para
usar de base para um arranjo
que estou fazendo agora, quarenta anos
depois.”
Roberto Menescal
Exatamente quando o álbum começa a soar como um rodízio,
entra Martinho da Vila para cantar Ponte
Hercílio Luz. Dá pra notar, pela desenvoltura harmônica, que o produtor
Luiz Meira cuidou em ambientar as
canções para alguns intérpretes. Aqui, temos um samba que é bem a cara de
Martinho (assim como a segunda faixa é uma bossa com o jeitinho de Ivan Lins). Embora
a letra tenha acento forte no dialeto manezinho e nas referências mais
ancestrais, também há um pouco do ranço nacionalista próprio da bossa, na letra
que ovaciona o monumento-símbolo da Ilha de Santa Catarina:
Ponte Hercílio Luz
Assim a olhos nus
O sol em lusco fusco
É linda
Nordeste ou vento sul
Nublado ou muito azul
Lestada ou calmaria
É bela
Que deixa ir e vir
Que leva e traz a luz
Negros, brancos
Carijós, a vida
Filha da coragem
Do amor com muito ardor
A solidariedade é a tua imagem
Botos brincando nas baías
Em Jurerê-Mirim
Índios, piratas
De repente
Ponte maravilha
E hoje és cenário
De nossa tradição
De força, da missão de glória
Tem nossa gratidão
Tu és eterna joia
Ponte Hercílio Luz, de Luiz Henrique Rosa
A faixa 12 traz novamente Elza cantando Mestiço, seguida da música de encerramento – que quebra o protocolo com um samba quase choro que, na voz de Luiz Melodia, descreve os áureos tempos da Lagoa da Conceição:
Para encerrar, escolhemos um trecho do artigo de Gianelli, que propõe outra perspectiva para o
anonimato de Rosa, a qual dialoga
com a história e obra deste artista:
Mas afinal de contas, porque Luiz Henrique não ficou
tão conhecido como Tom Jobim, João Gilberto, Jorge Benjor e outros nomes da época?
Será que foi simples esquecimento da mídia? Será que as gravadoras não dariam
mais espaço para o músico? O fato de morar numa cidade sem tradição cultural de
âmbito nacional teria atrapalhado? Não
tenho a resposta para nenhuma
dessas indagações. Mas o que fica
claro na vida de Luiz Henrique é que seu trabalho não buscava apenas fama e reconhecimento.
O compositor era daquelas pessoas que queria conhecer sons, explorar
possibilidades. E com certeza a sua volta para a ilha, no auge de sua carreira,
fazia parte dessa necessidade de Luiz Henrique, afinal de contas, era de
Florianópolis que vinha grande parte de seu diferencial como músico.
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1GIANELLI, Carlos Gregório
dos Santos. “Vou andar por aí...” – trajetória musical de Luiz Henrique,
compositor catarinense que levou a Ilha de Santa Catarina por onde andou.
Revista Santa Catarina em História, Florianópolis, v. 6, nº 1, p. 76-82, 2012.