27/07/2014
Por Ana Russi
Neste mês, os alunos do
Bacharelado em Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Catarina
encenaram O Abajur Lilás, de Plínio Marcos. A montagem, desenvolvida
para a disciplina Processos Criativos,
foi apresentada durante três noites no Teatro da UFSC.
Programa do espetáculo (clique para ampliar) |
O roteiro, que versa sobre as
relações sombrias entre um cafetão, seu “segurança” e as prostitutas, despertou
o interesse de Paulo Goulart, que em
1969, depois de uma consulta junto à Divisão de Censura, não viu possibilidades
de realizá-la. Em 1975, em plena fase de ensaios sob direção de André Abujamra, foi vetada em todo o
território nacional, juntando-se ao restante da obra cênica de Plínio Marcos, já considerada
impraticável pelos escritórios da ditadura. Sua estréia só aconteceu em 1980,
sob comando de Fauzi Arap1.
Em Santa Catarina, um dos registros mais antigos de encenação de um roteiro de Plínio foi a montagem de Oração Para Um Pé-de-Chinelo, no início da
década de 80 pelo Grupo Armação, com direção de Nelson Machado2.
Programa do espetáculo (clique para ampliar) |
Durante a espera pelo início do
espetáculo, a antessala foi transformada em um “pré-bordel”, com iluminação
lilás e som flashback (tocava de Madonna a Stevie Wonder). As personagens Dilma,
Célia
e Leninha
(as prostitutas) faziam a recepção indecorosa; já o cafetão Giro
ameaçou chamar seu obscuro leão-de-chácara Osvaldo para tratar pessoalmente com
aqueles que ousassem utilizar celular ou câmera com flash no “mocó”. Já tinha
visto essa proposta em outras ocasiões, mas achei especialmente divertida na
forma como foi desenvolvida pelo SETEeUM.
Assisti a O
Abajur Lilás durante o FITUB (Festival Internacional de Teatro
Universitário de Blumenau) em 2010, representada por uma companhia de Santa
Maria/RS. Apesar de existir uma predileção pela obra de Plínio,
na ocasião o público saiu meio exausto com aquela montagem. Tive a impressão de
que a vontade do grupo em salientar o lado grotesco do roteiro era tão grande
que deixou a desejar em muitas outras coisas importantes, transformando a obra
em uma peça cansativa, com diálogos muito longos e difícil de acompanhar.
Cena de O Abajur Lilás |
Já a montagem do SETEeUM,
com direção de Neluna
Hatsbach Freitas, por diversas vezes surpreendeu o público, como uma
apresentação tecida cuidadosamente na busca pelo equilíbrio entre a fluência do
roteiro e a brutalidade que o fundamenta. Em outras palavras, o público foi
introduzido ao submundo brasileiro do final dos anos 60, mas sem exaustão
mental desnecessária. Isso foi essencial para acompanhar a montagem do grupo
catarinense, que foi ousado em propor um outro desfecho à trama, assim como a
quebra da linha cronológica do roteiro original3 – que foi contado quase “de trás pra frente”, mas
sempre ao alcance do entendimento dos espectadores.
Outra coisa que me chamou a
atenção foi a trilha sonora. A abertura é eufórica, boêmia, com os cinco
personagens vindos do fundo da platéia em direção ao palco, cantando em uníssono:
Eu amo as putas
Porque as putas
As putas são de
ninguém
Eu sou ninguém
E como as putas
Espero um dia
Ser a puta de
alguém
Em sentido horário: Giro, Leninha, Osvaldo, Célia e Dilma |
Também canções de Roberto Carlos são o fundo das trocas
de cenário, das quais falarei adiante. Não sei se foi proposital, mas algumas
canções tocadas, como As Flores do Jardim da Nossa Casa e Não
vou Ficar são canções contemporâneas à escrita de O
Abajur Lilás. Embora sejam anteriores à chatíssima fase
romântica do “Rei”, dão um teor meio kitsch
à trama e ao mesmo tempo salientam o lado dramático e triste da vida daquelas
moças.
As
flores do jardim da nossa casa
Morreram
todas de saudade de você
E
as rosas que cobriam nossa estrada
Perderam
a vontade de viver
Trecho
de As Flores do Jardim
de Nossa Casa – Roberto Carlos
Cenário (clique para ampliar) |
Com relação ao
cenário, ficou evidente o respeito, pelo grupo, ao espaço e aos elementos
cênicos. As trocas de cenário eram feitas à meia-luz, permitindo o
acompanhamento, pelo público, do roteiro não-linear. A penteadeira, o biombo, a
mala, a cama e o abajur funcionaram como pontos geográficos nos quais os
personagens se revezavam dinamicamente.
O painel de fundo não era o varal, já tão banalizado; mas sim um mural de
roupas íntimas que conversava com o naturalismo da trama.
Tantos
esforços, somados à interpretação quase fiel do roteiro – com destaque para Gisele Farias
no papel de Dilma
– tornaram esta montagem uma oportunidade singular de realizar um mergulho no
universo de O Abajur Lilás. O SETEeUM
trabalhou minuciosamente, e se fez digno da obra. Não obstante, até o bilhete
de entrada para a peça era sugestivo à trama...
Bilhetes de entrada para o espetáculo |
1
Plínio Marcos –
Sítio Oficial. O Abajur Lilás. Disponível em http://www.pliniomarcos.com/dados/abajur.htm.
Acesso em 29 de julho de 2014.
2
GRUPO ARMAÇÃO.
Histórico. Disponível em http://www.grupoarmacao.com.br/index.php/historico. Acesso
em 29 de julho de 2014.
3
MARCOS, Plínio. O
abajur lilás. In: Plínio Marcos. Seleção e prefácio: Ilka Marinho Zanotto. São
Paulo: Global, 2003, pp. 171-229.
Fotos: Ana Russi
Layout do programa e dos convites: grupo
SETEeUM